Ando por aí, por esse mundo imenso, de folha em folha...
Terça-feira, 07 de Julho de 2009

A criancinha quer Playstation. A gente dá.
A criancinha quer estrangular o gato. A gente deixa.
A criancinha berra porque não quer comer a sopa. A gente elimina-a
da ementa e acaba tudo em festim de chocolate.
A criancinha quer bife e batatas fritas. Hambúrgueres muitos.
Pizzas, umas tantas. Coca-Colas, às litradas. A gente olha para o
lado e ela incha.
A criancinha quer camisola adidas e ténis nike. A gente dá porque a
criancinha tem tanto direito como os colegas da escola e é perigoso
ser diferente.
A criancinha quer ficar a ver televisão até tarde. A gente senta-a
ao nosso lado no sofá e passa-lhe o comando.
A criancinha desata num berreiro no restaurante. A gente faz de
conta e o berreiro continua.
Entretanto, a criancinha cresce. Faz-se projecto de homem ou mulher.
Desperta.
É então que a criancinha, já mais crescida, começa a pedir mesada,
semanada, diária. E gasta metade do orçamento familiar em saídas,
roupa da moda, jantares e bares.
A criancinha já estuda. Às vezes passa de ano, outras nem por isso.
Mas não se pode pressioná-la porque ela já tem uma vida stressante,
de convívio em convívio e de noitada em noitada.
A criancinha cresce a ver Morangos com Açúcar, cheia de pinta e tal,
e torna-se mais exigente com os papás. Agora, já não lhe basta que
eles estejam por perto. Convém que se comecem a chegar à frente na
mota, no popó e numas férias à maneira.
A criancinha, entregue aos seus desejos e sem referências, inicia o
processo de independência meramente informal. A rebeldia é de trazer
por casa. Responde torto aos papás, põe a avó em sentido, suja e não
lava, come e não limpa, desarruma e não arruma, as tarefas
domésticas são «uma seca».
Um dia, na escola, o professor dá-lhe um berro, tenta em cinco
minutos pôr nos eixos a criancinha que os papás abandonaram à sua
sorte, mimo e umbiguismo. A criancinha, já crescidinha, fica
traumatizada. Sente-se vítima de violência verbal e etc e tal. Em
casa, faz queixinhas, lamenta-se, chora. Os papás, arrepiados com a
violência sobre as criancinhas de que a televisão fala e na dúvida
entre a conta de um eventual psiquiatra e o derreter do ordenado em
folias de hipermercado, correm para a escola e espetam duas
bofetadas bem dadas no professor «que não tem nada que se armar em
paizinho, pois quem sabe do meu filho sou eu».
A criancinha cresce. Cresce e cresce. Aos 30 anos, ainda será
criancinha, continuará a viver na casa dos papás, a levar a gorda
fatia do salário deles. Provavelmente, não terá um emprego. «Mas ao
menos não anda para aí a fazer porcarias».
Não é este um fiel retrato da realidade dos bairros sociais, das
escolas em zonas problemáticas, das famílias no fio da navalha? Pois
não, bem sei. Estou apenas a antecipar-me. Um dia destes, vão ser os
paizinhos a ir parar ao hospital com um pontapé e um murro das
criancinhas no olho esquerdo. E então teremos muitos congressos e
debates para nos entretermos .

 

Magnífico artigo da Visão online!

publicado por mariadoscaracois às 14:15
sinto-me: tola


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